Público de 12 a 59 anos acompanha o reality show
Até bem pouco tempo atrás, os quase 9 milhões de seguidores no Instagram de Bianca Andrade, a Boca Rosa, um dos 18 participantes da nova temporada de "Big Brother Brasil", não seriam páreo para uma audiência do tamanho do reality na Globo. Só no ano passado, o programa alcançou 158 milhões de brasileiros na TV aberta, 12 milhões na TV paga, pelo Multishow, e 12 milhões por mês no site do "BBB".
As páginas do Gshow e da plataforma Globoplay registraram mais de 231 milhões de visualizações de vídeos e a soma do conteúdo por demanda, incluindo operadoras de TV paga, superou 57 mil horas. A Globo tem cada vez mais estendido um tapete às mídias digitais, como não costumava fazer antes, traçando até parcerias com redes sociais que antes nem sequer podiam ser mencionadas em seus telejornais e programas.
Desde abril passado, o departamento comercial da emissora está nas mãos de Eduardo Schaeffer, nome vindo da publicidade digital, a fim de mapear novos comportamentos e modos de atender a um mercado publicitário inserido em profundas transformações de propaganda e consumo.
Por mais que o público das redes sociais pareça formiguinha diante da tela que ainda lidera com folga a TV aberta, há nichos que o seu foco já não alcança, em razão da fragmentação provocada por uma oferta de atrações que se estendem para outras plataformas. Frente a uma tendência sem volta, o gigante se vê forçado a "trocar o pneu com o carro andando", como diz Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, sob o risco de perder terreno no futuro próximo.
O "BBB" já teve um ou outro influenciador digital antes, mas nunca apostou nesse perfil de modo tão incisivo como agora. Esse olhar se repete em programas como o "SóTocaTop", que valoriza nomes famosos em determinados nichos e regiões, apesar de pouco conhecidos no eixo Rio-São Paulo, metrópoles que sempre comandaram os rankings fonográficos.
A mesma ideia se reflete no novo vespertino "Se Joga", em que telas de redes sociais são escancaradas na TV, que até então se achava soberana, para apontar temas em evidência. "Os influenciadores são uma espécie de 'novo reality show'. Muitos deles são acompanhados 24 horas por dia nos sete dias da semana por seus fãs. Levá-los para dentro do 'BBB' é um movimento para rejuvenescer o formato e, sobretudo, conectar o mundo digital com a TV aberta", diz Sumara Osório, vice-presidente de estratégia da VML, agência publicitária do grupo WPP.
Renato Meirelles concorda. "Cada vez mais a sociedade brasileira não sabe diferenciar o que é o virtual do que é real, tamanha é a inserção do universo online na vida real." "Os dois lados ganham", acrescenta Osório. "Muitos dos participantes, apesar de terem milhões de seguidores, ainda são desconhecidos para o grande público. Por isso, vão se empenhar para potencializar essa oportunidade."
Como o "BBB" não é "A Fazenda", da Record, que tem o propósito de escalar participantes conhecidos, a Globo não tem nada a perder em confinar um grupo que só é celebridade para determinado nicho. Quem nunca ouviu falar delas pode enxergar essas figuras como um "BBB" qualquer. Além disso, considerando que o público da TV aberta vem envelhecendo, o "BBB", que tem um perfil de audiência mais jovem, é a melhor porta de entrada da Globo para atrair telespectadores abaixo dos 30 anos para conhecer o seu cardápio.
"Ao se conectar com o 'BBB', seja pela TV aberta ou pelo Globoplay, os jovens serão impactados pelos demais conteúdos produzidos pela emissora e poderão se sentir atraídos por eles –ou não, claro", afirma Osório. Ainda que a audiência linear jamais vá retomar níveis de 50 a 60 pontos, trilho frequentado pela Globo por pelo menos três décadas, a emissora está atenta à necessidade de vender o seu peixe pelas telas disponíveis, sejam elas quais forem.
A faixa de 12 a 17 anos que assistiu à estreia do "BBB" neste ano representa 8,3% do bolo da audiência do programa, quase o dobro da fatia que esta mesma idade representa para a plateia da novela das nove, "Amor de Mãe", hoje balizada em 4,4% nesse segmento. Entre 18 e 24 anos, o BBB tem 7,3% de fatia, nicho que na novela equivale a 5,9%. A tendência se mantém na faixa de 25 a 34 anos, com 16,5% de participação na plateia do reality versus 12,2% no bolo da novela. Já acima dos 34 anos, a vantagem se inverte, com um público que representa uma fatia maior para a novela das nove do que para o "BBB".
Mesmo que a Globo esteja se preparando para não ser abandonada em breve pelo público que hoje só acessa conteúdos sob demanda, seja por redes sociais ou streaming, cabe perguntar por que esse público jovem, ainda sem poder de compra, teria tanta relevância. Vale a pena lutar por ele? "Com o movimento ageless [sem idade], literalmente, a questão geracional é neutralizada e, cada vez mais, trabalhamos com as sinergias de visão de mundo e das atitudes, em vez das classificações etárias do passado", afirma Osório. "Os influenciadores, por sua vez, são fortes em diferentes nichos de mercado. Estão divididos por interesse e acabam falando de uma forma transversal com pessoas de gerações diferentes, principalmente em temas relacionados a inovação, tecnologia, moda e maquiagem, por exemplo."
O poder de engajamento desses participantes do "BBB" em seus devidos territórios, assim como acontece no "SóTocaPop", tem tido também um peso prioritário nas seleções feitas pela Globo. Gente inserida em sua comunidade ou em determinado segmento tem sido especialmente bem-vinda a um universo que se julgava autossuficiente até pouco tempo atrás.
Leituras
Estudioso de comportamentos, Renato Meirelles lembra ainda que muitas vezes foi por meio da internet que o "BBB" foi denunciado por cenas de violência, machismo ou racismo, o que amplia a relevância da interação com esse meio num programa que começou ainda muito dependente da hoje quase esquecida linha telefônica –ligações e mensagens de texto definiam as votações e os vencedores. As linguagens vão se atropelando de modo muito veloz.
Há oito anos, o então diretor-geral da Globo, Octavio Florisbal, falava em protelar ao máximo o hábito de ver televisão sob demanda. Naqueles dias, a Globo investia forte no hábito da TV móvel, desde que isso significasse manter os hábitos da TV linear, ao vivo, como convinha ao faturamento publicitário. Era mais fácil mensurar o tamanho do público quando as métricas chegavam por uma só tela.
Mas a onda da Netflix, do YouTube e de outros meios digitais atropelou essa projeção.
A publicitária Sumara Osório explica como as métricas se medem nesse mundo de todas as telas. "Temos como premissa extrair o melhor de cada meio. Acreditamos mais no 'e' do que no 'ou', tanto do ponto de vista de métrica, como de consumo. Cada mídia tem sua fortaleza. A audiência da TV é muito importante para o conhecimento. Já os meios digitais possibilitam maior engajamento, profundidade."
Convém lembrar ainda que a atenção da Globo com outras telas foi explicitada pelo presidente do grupo de comunicação, Jorge Nóbrega, durante a inauguração dos novos estúdios da emissora, em agosto, quando ele tratou a Netflix como concorrência declarada. A proposta de ser uma empresa de mídia e tecnologia e estudar o comportamento de seu consumidor está diretamente relacionada às estratégias da casa.
Cada vez que alguém sinta a vontade de votar em alguém que vai para o paredão no "BBB", ele mesmo estará sendo emparedado por um filtro que vai registrar seus dados. Dessa forma, a emissora vai mapeando o perfil de milhões de espectadores, que deixam de ser anônimos para virar números –de audiência e também de lucro.
'BBB' x NOVELA
De 12 a 17 anos"
4,4%: 'Amor de Mãe'
8,3%: 'BBB 20'
De 18 a 24 anos"
5,9%: 'Amor de Mãe'
7,3%: 'BBB 20'
De 25 a 34 anos"
12,2%: 'Amor de Mãe'
16,5%: 'BBB 20'
De 35 a 49 anos"
24,6%: 'Amor de Mãe'
21,5%: 'BBB 20'
De 50 a 59 anos"
19,3%: 'Amor de Mãe'
17,1%: 'BBB 20'
Acima de 60 anos"
28,1%: 'Amor de Mãe'
22,4%: 'BBB 20'
Dados: Kantar Ibope Grande São Paulo; percentual no universo da audiência de cada programa
Postado por: Victero Bruno
Postado por: Victero Bruno
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