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Agricultura familiar em meio ao friozinho de Aratuba.

Práticas do bem viver de agricultoras e agricultoras em Aratuba

Zé Pequeno - Foto: Ricardo Vagner / Arquivo Obas
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O friozinho da manhã que varria a serra na comunidade Jucazeiro, em Aratuba, não espantou o seu José Silva - conhecido por seu Zé Pequeno – das suas atividades cotidianas.

O cenário pode até parecer comum, com as cisternas de placas, tanto a de primeira água (aquela que é pra família beber e cozinhar) e a de segunda água (para produzir alimentos e dar de beber para animais de pequeno porte) que hoje modificam e embelezam as paisagens do semiárido: mas as histórias dessa família retratam a poesia e o bem viver no campo.

Junto com a esposa, dona Francisca Silva, e os noves filhos e filhas, ele vive da agricultura e da criação de pequenos animais. Sorridente, seu Zé recebeu a equipe da Obas narrando sua história sem perder a concentração ao aguar o canteiro de coentro: “Aqui é o lugar mais maravilhoso do mundo! Vou fazer 70 anos no dia 4 de junho e o melhor presente é que a gente tudim tem cisterna agora”.

Quando ficou sabendo que no dia 5 é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente, ele logo fala: “Podia ser no dia 4, né? Aí ia ser uma homenagem pra mim, pois eu amo a terra e gosto de cuidar dela”, disparando uma gargalhada.

E é com esse bom humor que seu Zé nos convida a conhecer seus canteiros de cebolinha, mandioca, beterraba, batata, cenoura... “Aqui é só o começo. Mais pra lá você vai ver a parte das frutas, do feijão, do milho, do urucum... Aqui tendo água, a gente não passa dificuldade, pois a gente não tem medo de trabalhar”.

Toda essa disposição não esconde as dificuldades de um passado recente, em que o acesso à água era impedido pelos grandes proprietários de terras, que cercam as fontes. Seu Zé Pequeno volta no tempo e relata a humilhação de se trabalhar em terras arrendadas: “Trabalhei pros outros até 1970. A gente nem sabia se tinha algum direito. Os patrões nunca se importavam com a gente. Pra beber água boa a gente andava no lombo dos animais até a comunidade dos Fernandes, que fica uns 4 km daqui. Depois que a gente conseguiu a nossa terrinha, tudo mudou. Tão bom se todo mundo tivesse o seu pedacinho de terra pra plantar, nera?” falou emocionado.

Protagonismo das mulheres - Dona Francisca vem chegando e diz que sua família foi abençoada com as cisternas. “Só da gente saber que na hora de plantar a gente não fica dependendo de ninguém, é uma maravilha. Se a gente tem conhecimento, se tem terra e tem água, ninguém precisa ficar mandando na gente”, diz com firmeza a experiente agricultora.

Com orgulho, dona Francisca assina o termo de recebimento da cisterna e posa pra foto com o marido e a neta. Mais uma vez, seu Zé Pequeno brinca perguntando se precisa botar paletó e calçar sapato pro retrato: “Eu tô nessa idade e nunca calcei sapato. A minha saúde é porque eu fico com o pé no chão”. Mais uma das pérolas do sábio agricultor. Além de dona Francisca, as mulheres da família são atuantes em todas as atividades e tomadas de decisões. “Aqui não tem isso não. As minhas filhas foram criadas pra vida. Todas sabem como cuidar de cada planta, sabem criar os filhos e sabem falar. Nem é preciso trabalhar fora porque o dinheiro da gente e a saúde a gente tira da nossa terra”, afirma dona Francisca.

Trabalho e União - Os irmãos e irmãs nos dão significativos exemplos de trabalhar em mutirão, respeitando as opiniões. Seu Carlos Alberto Silva dos Santos – o Beto – e sua esposa, dona Francisca Lúcia, criam os oito filhos observando os cuidados com a natureza, assim como seus irmãos. 

Nos últimos 40 anos os ensinamentos de seu Zé Pequeno e dona Francisca valeram muito à pena, já que as pequenas propriedades dos filhos são próximas e trabalham na mesma perspectiva, tornando a geografia local um exemplo para o município. “A gente sabe que é difícil algumas coisas porque a gente não é obrigado a pensar tudo igual. Às vezes quando a gente quer fazer uma coisa e os outros não concordam, a gente conversa e vê se dá certo. O importante é respeitar a opinião”, diz seu Beto. Ele é um agricultor que gosta de experimentar novas técnicas de plantio e tem o traquejo de repassar todo o seu conhecimento de forma encantadora e paciente. Tanto que, ao participar do intercâmbio de experiências agroecológicas no Vale do Jaguaribe, promovido pelo Projeto Cisternas do Banco do Nordeste, seu Beto foi cercado de perguntas pelos agricultores e agricultoras de lá. Unindo a fala à prática, o agricultor muito contribui para que a vivência agroecológica se faça presente nos plantios.

Sentado à beira do calçadão da cisterna recém-construída, Beto relembrou o que viu no intercâmbio quando passamos por terras exploradas pelo agronegócio: “Bom não é o ter. Bom é o viver! Não adianta aquela riqueza medonha e só uma pessoa fica com tudo. E ainda fica expulsando as famílias que moravam ali. Eu vi um monte de casa abandonada e só um tipo de planta numa terra enorme. Nem passarinho a gente via cantar lá. Dá é tristeza...”

Ensinando o amor a terra por gerações - A família segue a vida compartilhando os conhecimentos através das gerações. Isabela e Ana Paula – de 5 e 12 anos – são irmãs e convivem com a natureza desde sempre. As duas são filhas do seu Paulo e dona Deise – que é filha do seu Zé Pequeno. O casal nos recebe ao lado da cisterna de segunda água, finalizada agora. Seu Paulo faz planos de ampliar a área de cultivo, já que com a garantia da água armazenada, diminui os riscos na produção. “Nossa família é muito unida e a gente vai se ajudando. Essas cisternas era o que tava faltando pra gente melhorar o nosso trabalho”, diz o agricultor.

Seu Paulo avista sua filha Ana Paula no plantio de feijão e se orgulha. A garota nos mostra o que o seu pai está colhendo e com timidez nos diz que gosta muito do lugar onde mora. Ela vai à escola à tarde, e pela manhã desfruta da vida no campo.

Caminhando com a nossa equipe, a pequena Isabela faz questão de dizer o nome de cada fruta encontrada no seu quintal. Além de conhecer todas as frutíferas, ela diz que não gosta muito de limão porque é azedo, mas as outras frutas ela adora. “Eu acho é bom aqui. Eu vou é muito com a minha mãe pegar leite da vaca e eu não tenho medo. Eu boto comida pras galinhas e gosto de chupar tangerina”, fala mansinho a garota.

Dos ensinamentos - O suco de tangerina da dona Francisca veio pra brindar a manhã salpicada de ensinamentos. O alpendre ficou pequeno pra armazenar tanto amor pela natureza. É nele que a família se reúne pra celebrar a vida.

Nossas vidas percorrem caminhos sinuosos, que sobem e descem como na serra, e assim como nela, é preciso firmeza nos passos para trilhar essas veredas, atentamente, respeitando e direcionando nossos atos. E ser feliz no semiárido...

Fonte: Articulação do Seminário Brasileiro
Postado por: Victero Bruno

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