RAIO X: Zoza Correia - Parte I
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Em Aratuba sempre que a banda de música municipal toca ou alguém anda na rua paralela a Rodovia Júlio Coacy Pereira o nome Zoza Correia é mencionado. Uma homenagem justa feita a um ícone da história aratubense. A rua Zoza Correia, que por um erro ortográfico da Lei Municipal nº 182/2002, do Poder Executivo registrou-se Joza Correia, recebeu esta denominação por iniciativa do então vereador Paulo Sérgio; e o nome Banda Mestre Zoza foi uma ideia do Sr. Júlio de Paula Pereira à professora Aila Santana, na época diretora da Escola Municipal Isabel Hermínia Pinto(Mundo Novo) onde em 2009 a banda de música teve inicio. A legalização se deu em 1º de dezembro de 2010 pela Lei Municpal nº 381/2010 que no seu artigo 1º instituiu a Banda de Aratuba com o nome de Banda Municipal Mestre Zoza. Ainda assim muitos não conhecem a verdadeira historia desse homem e porque ele é chamado por todos de Mestre Zoza. Seu nome de batismo era José Zoza Correia Sobrinho. Ele nasceu em 19 de outubro de 1923, no sitio Coco a uns 3 km da cidade de Aratuba na época Vila Coité e ficou conhecido como Mestre Zoza, sem nunca ter frequentado a escola. Sua inteligência é prodigiosamente precoce, criança já fazia casas e igrejas de barro. Uma vez sua mãe ficou irritada porque de tanto Zoza dedicar-se a sua casa de barro que fez se esqueceu de colocar o feijão para ferver deixando os pais e irmãos com fome no regresso do roçado na hora do almoço. Sua habilidade diferenciada dos demais membros da família intrigava seu pai. O sr. Antônio Correia, um agricultor, não entendia porque seu filho não se aplicava a agricultura, afinal era o único referencial de trabalho existente no seio familiar.
Quando sua mãe, dona Otília Maria do Espírito Santo jogou um chifre de boi em suas pernas por não prestar atenção na comida do almoço, seu avó João Correia, defendeu o garoto dizendo que ele devia seguir o seu destino e quem sabe ele seria um grande construtor. E o menino Zoza Sobrinho cresceu e tornou-se então com o passar do tempo Mestre Zoza, destacando-se como mecânico, artesão, carpinteiro, pedreiro, músico e anedotista. Zoza foi o filho mais velho de muitos irmãos como Messias Correia, Francisco Correia de Melo (Kate), Francisco Correia Sobrinho, Raimundo Correia, Luiz Correia e Antônio de Pádua, o único irmão homem ainda vivo residindo em Fortaleza. Já suas irmãs, todas vivas são: Maria Correia Passos (Passinha), Antônia Correia de Melo (Toinha), Alaíde Correia Terto, Tande Correia, Terezinha Correia, Fátima Correia, filha por criação e Maria Correia, a mais velha. Dos homens somente Antônio de Pádua, um excelente marceneiro e carpinteiro e Raimundo Correia como um bom mestre de obras desenvolveram habilidades semelhantes a Zoza. A vida não foi fácil para Zoza, seus pais eram pobres e com poucos recursos sociais.
RAIO X: Zoza Correia - Parte II
Além da agricultura a apanha do café era um meio de sobrevivência familiar. Acordavam cedo e tomavam seu café adoçado com a garapa da cana-de-açúcar antes do trabalho. E por algum tempo Zoza ajudou seus pais no plantio de bananeira e da cana, porém com a crise americana de 1929 a renda advinda do café diminuiu drasticamente e com ele as receitas da família. Afinal, “A Grande Depressão” como ficou conhecida na história à quebra da Bolsa de Valores de Nova York, abalou o mundo e no Brasil deixou sequelas financeiras enormes com a diminuição do preço do café e a consequente queima de estoques do produto para equilibrar o preço. A região onde Zoza morava era próspera em café. Primeiro os cafezais dos Dantas de quem seu pai era feitor e em segundo as proximidades da propriedade da família de Adauto Aquino Pereira, cuja esposa Maria Nazaré Aquino, era irmã de Maria Pereira Barbosa(D. Doca), descendentes diretas dos colonizadores e grandes proprietários de café no município. Para se ter uma ideia, Alaide Correia, irmã de Zoza, lembra que na apanha do café de um dia nos cafezais dos Dantas, seis mulheres, por exemplo, juntavam de 3 a 4 alqueires, o equivalente de 380 a 500 litros de café aproximadamente.
Nesse contexto e aliado ao café, a terra e a política eram instrumentos de dominação e exploração pelo cruel coronelismo cearense e a família de Zoza experimentou isso na pele. Prova disso é que tempos depois os Correias foram praticamente expulsos das terras dos Dantas. Mestre Zoza viveu no sitio Coco toda a sua infância e adolescência. Em 1945, aos 22 anos casou-se com Maria Alves dos Santos (Dona Nenzinha) e com ela teve 18 filhos. Por lá viveu até 1958 ano da primeira eleição municipal para a escolha do primeiro prefeito no recém-emancipado município de Aratuba. Zoza era um dos 1.440 eleitores da época. A eleição em que José Clóvis Lima saiu vitorioso aconteceu em 03 de outubro de 1958 e talvez Zoza tenha votado em Raimundo Pereira Batista de quem era amigo. Em meio a isso Zoza terminou a construção de sua casa localizada à Rua Cel. João José Pereira e transferiu-se da zona rural para a sede do município em busca de melhores condições de vida. A situação socioeconômica e as dificuldades escolares da época impediram Zoza de frequentar a escola. Zoza lia pouco, mal sabia assinar o nome, mas sua matemática no trabalho de carpintaria, por exemplo, era fantástica e precisa. Suas construções de caixa d´água, chafariz e medições de terrenos eram impecáveis. Para quem não sabe o chafariz do Lameirão, distrito de Mulungu, é obra de Mestre Zoza. Francisco dos Santos Correia(Kim), um dos filhos que acompanhou Zoza em alguns trabalhos relatou que: “Quando era pequeno ia com ele a vários lugares pra consertar motores de engenho, forrageiras, geradores de energia, bombas d’água. Enquanto ele trabalhava, eu e meu irmão (Alan) brincávamos nos rios, açudes, tanques e quintais que existiam nas propriedades onde ele nos levava, como por exemplo, no sítio Buracão no engenho do seu Dedé, no Carneiro uma fazenda do Sr. Raimundo Batista do qual era muito amigo, no engenho do Sr. Adauto no sítio Coquinho e outros mais”.
RAIO X: Zoza Correia - Parte III
E não foi somente no conserto de motores de engenhos ou construção de casas de farinha que Mestre Zoza notabilizou-se. Zoza recebeu o epíteto de Mestre devido suas façanhas nas áreas da mecânica (conserto de carros e motores);marceneiro (construção de violinos e rabecas); carpinteiro(montagem de linhas e vigas de casas e engenhos); arte(bonecos, presepadas e anedotas);música (tocava violino, rabeca e sanfona); e arquitetura ( participou na construção da Igreja São Francisco de Paula, dos prédios dos Correios e da Secretaria de Educação e do antigo calçamento da Praça Adolfo Lima). Dentre as engenharias zozianas, uma deixa-nos boquiabertos. Quem olha para a Igreja Matriz e ver o telhado das torres ou pelo menos no formato de telhas numa forma vertical e piramidal pergunta por que elas não caem. Uma genialidade dos famosos mestres Aristides e Zoza. Imagine enormes telhas de tijolos com cimento queimado de 60 cm cada uma feitas ali mesmo a uma altura de mais de 30 metros. É um feito espetacular. E a influência de Zoza no município ia além das construções e consertos. Ele tocava o coração das pessoas na música e nas palhaçadas. Animava as pessoas com os bonecos em empanadas como a chamada velhinha ou ainda o Casemiro Coco, um personagem galanteador e valente que vencia os monstros para conquistar o amor da princesa. E entre as presepadas do Zoza muitos lembram de seu dedo polegar deslocando-se como se fosse arrancado da mão, intrigando os observadores. O ADA – Associação Desportista de Aratuba foi palco de suas apresentações cômicas arrastando risadas e aplausos das pessoas. Tanto sua residência quanto a de seus filhos funcionava como um centro cultural que animava os finais de semana, ajuntando os casais de jovens para ouvir, dançar e namorar nas tertúlias das noites de quartas-feiras, aos sábados e aos domingos das 08:00 às 11:00 h da noite na década de 70, sob o sonzinho dos irmãos Antônio e Assis Correia.
Mas Zoza com todo seu humorismo e alegria atravessou momentos difíceis em sua vida familiar e sentimental. Nove anos após sair da zona rural para residir na cidade, em outubro de 1967, sua amada esposa faleceu durante o parto daquele que seria o 18º filho do casal. Não se sabe ao certo a razão, mas a prática dos partos em casa e sem nenhum recurso médico em casos complicados, tornava-se um momento ariscado para a mãe e o bebê. A criança nasceu morta e a mãe faleceu horas depois. Zoza e sua esposa tiveram uma prole grande e destes somente dois até então haviam morrido. A pílula anticoncepcional já existia, mas além das dificuldades de acesso a informação e ao produto, o casal como tantos da época era contra o uso, pois sendo religiosos acreditavam que o ser humano não devia impedir quantos filhos Deus permitisse. O triste acontecimento abalou Mestre Zoza e a pequena cidade de Aratuba e tornou-se um fardo pesado para um homem com mais de quarenta anos de idade. Sua profunda tristeza fê-lo pensar em dar os filhos aos amigos mais próximos, pois segundo pensava, ele não teria condições de criá-los sozinho. Porém tempos depois as irmãs de sua falecida esposa vieram para cuidar das crianças e entre elas a senhorita Maria Luiza Alves dos Santos, com quem tempos depois Mestre Zoza contraiu núpcias e teve mais 6 filhos, sendo eles: Sérgio Correia dos Santos, Cezarina dos Santos Correia, Joelma dos Santos Correia, Jerly dos Santos Correia, Alan dos Santos Correia e Francisco dos Santos Correia(Kim). Ela casou com Mestre Zoza aos 22 anos com a difícil tarefa de substituir a própria irmã. Dona Luiza ou Tia Luiza como é chamada é uma mulher introvertida, calma e que tem criado a família com muita luta, esforço e dedicação. Uma jovem que saiu do sertão da Lagoa do Inácio, com o desafio de criar os filhos de sua irmã falecida e acabou tornando-se mãe de todos eles, a maioria crianças novas e conseguiu aos poucos estabelecer autoridade e ser reconhecida por todos da família, tornando-se a senhora Maria Luiza dos Santos Correia. Em Aratuba ela tornou-se um exemplo de esposa fiel e dedicada e mãe batalhadora e vitoriosa. Hoje como viúva vive na mesma casa de sempre cercada de filhos, netos e amigos.
RAIO X: Zoza Correia - Parte IV
E se Luiza não esquece seu amado Zoza, o município de Aratuba também não, pois de alguma forma as habilidades de Mestre Zoza tornam-se presentes nos filhos e neto onde cada um lembra um pouco o velho Zoza. Na pintura, desenho e artes temos Francisco Alves Melo, Assis Zoza, Sérgio dos Santos Correia, Joelma dos Santos Correia, Marta Correia(falecida), Jerly dos Santos Correia, Alan dos Santos Correia, Francisco dos Santos Correia (Kim); Fábio Melo, Jesse Gomes Correia e o Arley Correia. Na mecânica os nomes Assis Zoza (conserto e parte elétrica do carro); e Antônio Zoza (funilaria e pintura de carro, falecido). E na área da carpintaria os filhos José Alves Melo(Zequinha), Sérgio Correia e Francisco Alves Melo. E na música: Paulo Alves Melo(violão, falecido); Francisco Alves Melo, (sanfona, falecido); José Alves Melo (bateria); Kim(cavaquinho, guitarra, contrabaixo e órgão) e Alan Santos(órgão). Mas claro não se pode esquecer de Luiz Correia que é um agricultor. Em Aratuba quando se pergunta sobre a família de artistas é fácil responder: a família do Zoza Correia. Um de seus filhos chegou a dizer: “Ele não nos deixou riquezas materiais, mas cada filho herdou dele uma habilidade específica, uns são marceneiros, outros carpinteiros, mecânicos, músicos, artistas etc. Habilidades essas que são necessárias para que uma pessoa trabalhe, ganhe o pão de cada dia e viva dignamente”.
E a fama desse homem simples foi além dos limites da pequena Aratuba. Em 1990 Mestre Zoza foi entrevistado pela TV Verdes Mares. Na entrevista ele ensinou a fazer violinos. Zoza era um artista inigualável na confecção e toque de violinos. E para quem acha que ter o dom não precisa de esforço se engana. Jerly dos Santos, lembra que foram muitas tentativas de seu pai até o primeiro violino estar pronto, é tanto que antes veio a rabeca e só depois o violino. A primeira rabeca inclusive está na casa de sua filha Francisca de Paula(Novinha) à disposição do Museu do Município que precisa conseguir uma redoma de vidro para exposição devido o seu alto valor histórico. Na fabricação de violinos cada peça tinha um tipo de madeira específica. No final Zoza inspecionava sua obra observando o desenho e o peso do violino para que a tonificação fosse na medida certa. E é claro um novo violino era inaugurado nas missas que Zoza tocava sem ensaio prévio ou com o costumeiro encontro de amigos como Toinho da Viola e Zé Terto no fim de semana na casa do próprio Zoza. O sr. Luiz Severino da Silva, hoje aos 85 anos de idade, aprendeu a tocar violino com Mestre Zoza. E com vontade de possuir um porém sem condições financeiras, Zoza fabricou o violino e deu de presente ao aluno e amigo. Seu Luiz ainda guarda dentro da mesma caixinha o violino doado por Zoza e quando pode, devido sua idade e estado de saúde, dedilha algumas notas.
Na década de 90 Mestre Zoza ensinou violino na antiga Casa de Cultura e foi nesse tempo que recebeu convite da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará para ensinar a técnica da fabricação de violinos a 50 pessoas inscritas numa oficina em Juazeiro do Norte. Zoza estava disposto a ir, porém a doença de cirrose aumentou e pôs fim a sua vida. Zoza passou os últimos dias de vida numa cama como consequências de suas frequentes bebidas.
E infelizmente Zoza não foi o único na família vítima do alcoolismo, uns quatro filhos seus também tiveram o mesmo fim em decorrência da excessiva ingerência do álcool. Em 20 de maio de 1994 Aratuba se despediu de Zoza Sobrinho. Ele morreu aos 71 anos de idade, imortalizando seu nome na história como construtor, carpinteiro, mecânico, artista, artesão, músico e humorista numa singular inteligência e genialidade justificando assim o nome como é conhecido até hoje pelo povo de
Aratuba: MESTRE ZOZA.
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Referências Bibiográficas
Entrevista com Marta Colares Matos e seu esposo Lázaro Matos em 25/07/12
Trabalho de pesquisa de Jerly Correia, Ismael Correia e Eveline Correia(Netos) sob a orientação da professora Marta Farias em 17/04/12
E-mail de Francisco dos Santos Correia(Kim) dos Santos em 19/07/12
Entrevista com Jerly dos Santos Correia em 02/07/12
Entrevista com Alan Santos Correia em 25/07/12
Entrevista com Francisca de Paula Correia(Novinha) em 25/07/12
Entrevista com Maria Luiza dos Santos Correia em 25/07/12
Lei Municipal da Câmara de Aratuba em 25/07/12
Entrevista com Alaíde Correia Terto em 27/07/12
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