CORRE... A LOJA DE SEU NEMÉSIO TÁ PEGANDO FOGO” - PARTE I
A HISTÓRIA DE UM INCÊNDIO EM ARATUBA, SEU
IMPACTO APOCALIPTICO, O CONTEXTO POLÍTICO-SOCIAL E AS LIÇÕES DE VIDA.
A HISTÓRIA DE UM INCÊNDIO EM ARATUBA
“Corri
da residência de minha tia até a casa da Albaniza Mariano com minha
filha Rebeka nos braços, quando vi as labaredas de fogo na loja”. (Alígia Maria Alves Medina Diniz, 50 anos, na época com 24 anos).
“Eu vi o pessoal
correndo, uns levando os bojão de gás para o campo. Os bojãos vinham das
casas da vila, das casas mais próximas, levaram tudo pro campo por
causa que era o canto mais aberto e para não explodir pois o fogo era
muito alto e a negrada dizia que o fogo tava incendiando a manga, mas no
caso o fogo era só na loja. E era na época do verão e o capim tava tudo
seco, qualquer faísca era fatal. Eu tava no campo lá. Muita gente no
campo tinha de 300 a 400 pessoas. De bojão parecia um depósito de gás,
tudo arrudiado no campo e no meio do campo, os bojãos tudim e as pessoas
rezando na parede da quadra lá porque o mundo iria se acabar”.(José Ednaldo Lima Silva, 39 anos, na época tinha 13 anos).
“Levei minha irmã nos
ombros enquanto minha mãe nos conduzia até a piscina do Camará onde já
havia muita gente dentro com medo do fogo” (Edson Moura Martins, 34 anos na época com 08 anos).
1986. É o ano da
passagem do cometa de Halley e alguns viam nisso um sinal apocalíptico
catastrófico. Mas em Aratuba o “apocalipse” não veio em junho na
passagem do cometa, mas em novembro perto das 07:00 horas da noite. Tudo
indica que era uma sexta-feira. A maioria das pessoas estavam em suas
casas. Durante a tarde faltara energia chegando apenas no início da
noite e como a maior parte das casas em Aratuba não possuíam televisão
era comum as pessoas se reuniram nas residências de amigos e vizinhos
para assistirem a novela do momento. Porém abruptamente todos foram
interrompidos pelas vozes que gritavam nas ruas: Fogo, Fogo... à Loja de
Seu Nemésio tá pegando fogo.” Imediatamente começou um pânico, medo e
correria por todos os lados, menos em direção à Rua Júlio Pereira,
entrada da cidade onde acontecera o incêndio que crescia rápido e
assustadoramente. Naquela noite o ônibus da empresa Pinheiro que fazia a
linha Aratuba-Fortaleza, passando por Palmácia ficou num primeiro
momento próximo ao comércio do Sr. José Eduardo. Entre os passageiros do
ônibus estava o casal dono da loja, Nemésio Lima e sua esposa, Dona
Consuelo. Benício Gomes Lima (o Mudo), filho do casal entra no ônibus e
quando o mesmo resolver entra na cidade ele fica tapando a visão de sua
mãe, Dona Consuelo, que percebe logo tudo que está acontecendo. Seu
Nemésio ficou muito triste ao ver anos de trabalho seu e de seu pai
serem destruídos pelas chamas. Segundo, Auxiliadora Batista (Tirica),
sua mãe simplesmente disse: “Deus permitiu. Ele sabe o que faz. Ele tudo
providenciará”.
José Adriano dos Santos
Martins (Zezinho), filho adotivo do casal Némesio e Consuelo desde os 11
anos, na época com 21 e balconista da loja vinha descendo pela rua com
uma amiga quando ouviu o alvoroço dos populares e correu
até sua residência para buscar as chaves da loja e abri-la na tentativa
de conter o incêndio. Os vizinhos jogavam latas de água para apagar o
fogo que aumentava em proporções gigantescas ao ponto de queimar as
folhas dos altos pés de eucaliptos da Família Pereira. Sua força era
alimentada pelos materiais inflamáveis dentro da loja como tecido, latas
de querosene, sacarias, muito arroz, café, açúcar sem contar com dois
forros de madeira. O incêndio não foi criminoso como ficou constatado
posteriormente. Resultado do atraso em mudar uma fiação velha que acabou
por causar uma tragédia histórica que trouxe conseqüências sociais,
econômicas e psicológicas à população urbana de Aratuba, principalmente,
é claro, a família Lima.
As histórias contadas
hoje, 26 anos depois, são até hilariantes, mas na época não havia graça
nenhuma, nada de risos, tudo se resumia em medo, pânico, corre-corre e
gritaria. A cidade inteira ficou num clima apocalíptico como se o fim do
mundo tivesse chegado.